O Catecismo Revolucionário
segunda-feira, 20 de setembro de 2010
segunda-feira, 13 de setembro de 2010
Grupos de Afinidade
Ingredientes
- Um círculo de amigos
- Confiança
- Consenso
- Manter segredo
- Uma boa idéia
- Planos para cenários diferentes
- Estrutura para responder a cenários inesperados
- Um pouco de coragem (pode ser opcional, mas deve existir caso seja necessário)
- Ação!
- Discussão subseqüente
Instruções
O mais provável é que, mesmo que você nunca tenha se envolvido em ação direta antes, mesmo que este seja o primeiro texto radical que você já encontrou, você já faz parte de um grupo de afinidade – a estrutura que foi comprovada como a mais eficiente para atividades de guerrilha de todos os tipos. Um grupo de afinidade é um grupo de amigos que, conhecendo as forças, fraquezas e histórias uns dos outros, e já tendo estabelecido uma linguagem comum e uma dinâmica interna saudável, se propôs a ir atrás de um ou de vários objetivos.
Você pode enviar mensagens para seus amigos; isso ajudará todos a ficarem relaxados e se sentirem próximos.
O grupo de afinidade não é apenas um veículo para mudar o mundo – como qualquer boa prática anarquista, é também um modelo para mundos alternativos, e uma semente da qual esses mundo podem crescer. Em uma economia anarquista, as decisões não são feitas por uma diretoria, nem as tarefas são feitas por massas de trabalhadores robóticos: grupos de afinidade decidem e agem juntos. De fato, os grupos de afinidade/agrupamentos/assembléias são simplesmente outra encarnação dos conselhos de trabalhadores e comunas que se formaram a espinha dorsal dos antigos sucessos (mesmo que tenham durado pouco) das revoluções anarquistas.
Um grupo de afinidade não apenas é o melhor formato para fazer as coisas, é praticamente essencial. Vocês devem sempre participar de qualquer evento que possa ser empolgante para um grupo de afinidade – para não mencionar aqueles outros eventos que não o podem ser de outra forma! Sem uma estrutura que encoraje que as idéias passem a ser ações, sem amigos com quem conversar sobre o que fazem, com quem se pode agir em conjunto para criar aquele impulso, você está paralisado, separado do seu próprio potencial; com eles você é multiplicado por dez, ou dez mil! “Nunca duvide que um pequeno grupo de pessoas pensantes e comprometidas pode mudar o mundo”, como Margaret Mead escreveu, “é a única coisa que já o mudou”. Ela estava se referindo, quer ela conhecesse o jargão ou não, a grupos de afinidade. Se cada indivíduo em cada ação contra o estado e status quo participasse de um grupo de afinidade unido e dedicado, essa revolução estaria terminada em poucos anos.
O importante é que...
Para que grupos de afinidade e estruturas maiores baseadas no consenso e cooperação funcionem, é essencial que todos os envolvidos sejam capazes de confiar que os outros vão fazer a sua parte. Quando se concorda com um plano, cada indivíduo dentro de um grupo e cada grupo dentro de um agrupamento deve escolher um ou mais aspectos críticos da preparação e da execução do plano e se oferecer para solucioná-los. Se propor a fornecer algum recurso ou a completar um projeto significa garantir que isso será feito de alguma forma, não importa o que acontecer. Se você está encarregado de organizar a ajuda jurídica para quem for pego, é seu dever frente aos seus companheiros fazê-lo mesmo que você fique doente; se seu grupo prometeu conseguir faixas para uma ação, tenha certeza que elas ficarão prontas, mesmo que isso signifique ficar acordado durante noite anterior inteira porque o resto do seu grupo de afinidade não apareceu. Com o passar do tempo você vai aprender a lidar com crises, e em quem você pode confiar – assim como eles vão descobrir o quanto podem confiar em você.
Facilitando discussões
Apesar de uma das regras básicas para grupos de afinidade ser que eles não devem ser tão grandes a ponto de serem necessárias estruturas formais para discussões, reuniões maiores – entre “agrupamentos” de grupos de afinidade, por exemplo – podem precisar dessas estruturas. Fique avisado: usar esse tipo de protocolo desnecessariamente vai estagnar as discussões e alienar participantes, e pode, inclusive, trazer a tona antagonismos e dramas desnecessários. Por outro lado, se uma assembléia acredita em uma determinada abordagem e decide os detalhes unida, essas estruturas podem tornar a tomada de decisões em grupo mais rápida, fácil e mais de acordo com as necessidades e interesses de todos os envolvidos. Nenhum sistema é melhor do que as pessoas que participam dele; antes de começar, tenha certeza que todos estão confortáveis com o formato que vocês forem usar.
Grupos de Afinidade
O termo “grupos de afinidade” é a tradução do espanhol “grupos de afinidad”, nome de um tipo de organização criada na época anterior a Franco e que serviu de base à temível F.A.I. (que congregava os militantes mais idealistas da C.N.T., a imensa organização anarcosindicalista). Criar hoje uma imitação servil do tipo de organização e dos métodos utilizados pela F.A.I. não seria possível, nem desejável. Os anarquistas espanhóis da década de 30 certamente enfrentavam problemas sociais inteiramente diferentes daqueles com que hoje se defrontam os anarquistas americanos. O modelo, entretanto, tem certas características que podem ser aplicadas a qualquer situação social, e que muitas vezes foram adotadas intuitivamente pelos radicais americanos que chamaram as organizações resultantes de “coletivas”, “comunas” ou “famílias”.
Os grupos de afinidade poderiam ser facilmente considerados como um novo tipo de prolongamento da família, em que os laços de parentesco foram substituídos por um relacionamento humano extremamente intenso, relacionamento que é alimentado por idéias e práticas revolucionárias comuns. Muito antes que a palavra “tribo” ganhasse popularidade no movimento da contracultura americana, os espanhóis anarquistas já chamavam suas reuniões de “asambleas de las tribus” – assembléias das tribos. Cada grupo de afinidade tem um número limitado de participantes para garantir o maior grau de intimidade possível entre seus membros. Autônomos, comunitários e francamente democráticos, os grupos combinam as teorias revolucionárias a um estilo de vida e um comportamento igualmente revolucionários, criando um espaço livre onde os seus integrantes podem reestruturar-se, tanto individual quanto socialmente, como seres humanos. Grupos de afinidade pretendem funcionar como catalisadores dentro do movimento popular, não como “vanguardas”; eles proporcionam iniciativa e conscientização, não um estado-maior e uma fonte de comando. Os grupos proliferam em nível molecular e têm um “movimento Browniano” próprio. A união ou separação de cada grupo é determinada pelas circunstâncias do momento e não por ordens burocráticas vindas de um centro distante. Durante períodos de opressão política, os grupos de afinidade são altamente resistentes à infiltração policial. Devido ao alto grau de intimidade que existe entre os participantes, muitas vezes se torna difícil penetrar no grupo e, mesmo quando isto acontece, não há um mecanismo centralizado que dê aos infiltrados uma visão geral do movimento como um todo. Mesmo sob condições tão difíceis, os grupos de afinidade ainda conseguem manter contato através da literatura e de revistas.
Durante períodos de atividade mais intensa, por outro lado, nada impede que os grupos trabalhem juntos em qualquer nível que se fizer necessário. Eles podem unir-se através de grupos locais, regionais ou nacionais para formular planos de ação comum; podem criar comitês temporários (como os que congregavam estudantes e operários franceses em 1968) para coordenar determinadas tarefas. Entretanto, os grupos de afinidade sempre têm suas raízes nos movimentos populares e são sempre leais às formas sociais criadas pelos revolucionários, não a uma burocracia impessoal. Como resultado de sua autonomia e regionalismo, os grupos são capazes de manter uma avaliação crítica sensível sobre as novas perspectivas. Intensamente experimentais e diversificados quanto ao estilo de vida, eles funcionam como uma fonte de estímulo mútuo, influenciando também o movimento popular. Cada grupo procura adquirir os recursos necessários para funcionar com quase total autonomia, desenvolvendo um perfeito sistema de conhecimentos e experiências para vencer as limitações sociais e psicológicas impostas pela sociedade burguesa ao desenvolvimento individual. Agindo como um núcleo de conscientização e experiência, cada grupo tenta levar adiante uma forma de movimento revolucionário espontâneo do povo, fazendo-o atingir um ponto em que o grupo possa finalmente desaparecer, integrando-se às formas sociais orgânicas criadas pela revolução.
Murray Bookchin
A organização específica dos anarquistas é uma instância própria, como está implícita na designação, com peculiaridades que definem princípios básicos, cuja prática depende de sua existência.
O projeto revolucionário preconizando o socialismo libertário exige uma organização onde se definam estratégias para todas as instâncias e alternativas afins, ao mesmo tempo que suas práticas sejam um exercício antecipado do projeto. Assim, liberdade, responsabilidade, ética, federalismo, solidariedade, autogestão etc. não devem ser apenas conceitos de um discurso teórico, mas o que defina a prática e o comportamento dos anarquistas na organização. Assim como os indivíduos são a unidade celular da organização, os grupos e coletivos são seus núcleos básicos.
Os grupos de afinidade são constituídos por militantes cujo o relacionamento fundado em interesses peculiares é tanto mais intenso na medida em que é alimentado por idéias e práticas revolucionárias. Cada grupo tem um número limitado de participantes que garante maior grau de intimidade entre seus membros. São autônomos, onde seus integrantes podem reestruturar-se tanto individual quanto socialmente. Funcionam como catalisadores do movimento proporcionando iniciativa e conscientização. A união ou separação de cada grupo é determinado pelas circunstâncias e interesses próprios, e não por qualquer decisão centralizada. As adesões ou saídas são feitas espontânea e livremente, sem pressão de qualquer natureza. Durante os períodos de repressão os grupos de afinidade são muito resistentes. Devido ao alto grau de coesão que existe entre os participantes se torna difícil penetrar no grupo, e mesmo sob as condições mais difíceis os grupos de afinidade conseguem manter contatos. Nada impede que os grupos trabalhem juntos em qualquer nível que se fizer necessário. Podem unir-se com grupos locais, regionais ou nacionais, de forma permanente ou eventual para a formulação de planos comuns. Cada grupo procura reunir os recursos necessários para funcionar com o máximo de autonomia.
A união de interesses com objetivos comuns, sem quebra da autonomia é a característica básica do federalismo. Assim as uniões locais se organizam em regionais e estas em nacionais até a confederação internacional. Tudo o que diz respeito exclusivamente a cada instância é resolvido, desde o indivíduo até a federação, em foro próprio, de forma livre e autônoma. Só quando o interesse abrange objetivos comuns, seja de grupo a grupo, seja até de um país para outro, então surge o acordo e o COMPROMISSO e aqui convém dizer alguma coisa a respeito da liberdade e da responsabilidade.
O que é liberdade? Tema de grandes controvérsias através da história. Há livre-arbítrio ou determinismo? Praticamos nossos atos por escolha ou não? Somos apenas dirigidos pelos nossos impulsos interiores aos quais não controlamos? Acontece que o homem é um animal racional: verdade que todos aceitam. Ser racional é ser capaz de escolher, capaz de preferir, de pesar, de comparar esta ou aquela solução, de captar as possibilidades das possibilidades. O homem pode prever as conseqüências de seus atos. Pode imaginar que se proceder assim, poderá suceder isto ou aquilo. Tal ato poderá levar a tais ou quais conseqüências. E porque pode julgar, comparar, pode medir, pode escolher. Se o homem fosse apenas um autômato não teria noção de futuro. Ao ter noção do futuro demonstra independência, capacidade de escolher no suceder que sobrevém. É por isso que o homem é um ser autônomo e conhece a liberdade. Quando temos um impulso para um ato determinado e refletimos sobre as conseqüências, ao pensarmos se nos revela uma série do possibilidades que vamos analisando racionalmente. Reprimimos o impulso, vencemos o desejo e resolvemos não fazer o que desejávamos. Negar esse fato prático que verificamos em nossas vida seria negar praticamente todo o poder da educação. Nossos maiores obstáculos contra os quais temos que lutar são justamente a pregação e a crença de que só podemos resolver os magnos problemas econômicos e sociais a custa da liberdade. Mas a liberdade é muito mais. E é através da conquista da própria liberdade que podemos garantir a solução que buscamos para esses problemas. O caminho da liberdade é o da prática da própria liberdade. É com a prática da liberdade que formamos homens livres.
A responsabilidade é a obrigação de responder pelos próprios atos ou de alguém ou de algo que nos foi confiado. Ninguém pode ser responsável se não for livre. A responsabilidade tem dois aspectos: individual e coletivo. A responsabilidade individual obriga a pessoa a responder apenas pelos próprios atos ou por algo confiado à própria. A responsabilidade coletiva obriga não só pelos próprios atos, mas também pelos atos alheios, quando se trata de atos, deliberados, aceitos e decididos livremente por um grupo de indivíduos associados para realizar uma tarefa comum. Cada um e todos, neste caso, são responsáveis individual e coletivamente e sua liberdade é determinada pelo duplo caráter da responsabilidade. A responsabilidade individual, e obrigação de responder pelos próprios atos ou de coisas que lhe forem confiadas não pode ser eludida por nenhum outro indivíduo que esteja na posse normal de suas faculdades mentais. Há três tipos de anarquistas: a) os individualistas adversários de toda forma de associação; b) os individualistas partidários da associação livre e momentânea, mas contra a organização; c) os partidários da organização metódica e permanente. Defensores que somos da última posição, não falaremos das duas primeiras. A concepção de responsabilidade individual, dentro da organização, parte da coexistência do indivíduo e da sociedade como uma necessidade básica, cuja a realidade é anterior a sua própria existência. Parte do princípio da solidariedade preconizada para uma sociedade anarquista e se estende à toda uma categoria de seres humanos que compartilham suas concepções e lutam pelo mesmo fim. Ligados por uma concordância de interesses, são responsáveis por todos os atos de sua vida que tenham um caráter social, cujas conseqüências, boas ou más, podem influir sobre as condições de existência, de segurança, e de bem estar de seus semelhantes. Atos que prejudiquem companheiros devem ser evitados. Os exemplos são infindáveis e se multiplicam quando a luta se intensifica, como nos casos de greve, quando a responsabilidade coletiva se sedimenta na responsabilidade individual e é fundamental.
A responsabilidade coletiva, é própria da organização anarquista. Está implícita na aplicação dos princípios federalistas. Ela ascendente e descendente. Obriga o indivíduo a responder por seus atos ante o coletivo e este enquanto tal responde ao indivíduo. Não há oposição entre a responsabilidade coletiva e individual. Ambas se completam e se ampliam sob o ponto de vista social. Quando um grupo ou coletivo toma uma decisão que emana da prática dos princípios, aprovando uma ação a desenvolver, nenhum de seus membros pode dissociar-se, omitir-se ou agir de maneira a prejudicar a consecução do objetivo colimado. Todos são co-responsáveis. A responsabilidade é coletiva, social. A decisão foi coletiva, a prática é coletiva, a responsabilidade é coletiva. A resolução foi tomada de forma soberana e livre por todos. A liberdade não é ausência de restrições. É opção, é a aceitação livre de obrigações sociais. Na organização, compromisso e responsabilidade se identificam. O não cumprimento da obrigação, do compromisso, pode denotar irresponsabilidade, imaturidade, fraqueza e outros aspectos que nos remetem para a ética.
Todos os nossos atos são passíveis de juízos de valor e de conotações éticas. Tudo o que foi exposto até aqui tem implicações éticas. Há vastíssimos estudos sobre a ética, desde a transcendente (religiosa) até a ultra-racionalista, amoral, que pretende justificar posições totalitárias, racistas, de casta, de Estado etc. A que nos interessa é a ética imanente, que fundamenta as doutrinas libertárias, estudada e defendida por Proudhon, e desenvolvida por Kropotkin, com bases sólidas, que aceitam uma ordem natural entre os homens, fundada nas tensões que formam e procuram conservar-se, porque na realidade toda ética está fundada nelas e nos interesses por elas criados. Portanto, se a sociedade for organizada sob bases simples e naturais, formará naturalmente sua ética, não como uma necessidade apenas, mas porque o homem sabe descobrir o que lhe convém para ordenar as suas relações, porque sabe escolher. Por isso os homens, quando se reúnem para um fim comum, sabem deduzir de sua organização as regras e princípios justos (ajustados) que permitam conquistar, da melhor forma, o fim a que visam, como tem se verificado ao longo da história na constante da polarização entre liberdade e autoritarismo, e em todos os movimentos que buscam a superação social. Dessa forma, a organização anarquista desenvolve sua própria ética, fundada num dever ser próprio, que como todo ato ético é frustrável. O ato anti-ético para o anarquista é tudo que ofende a normal da organização. E o vigor, o desenvolvimento, as grandes possibilidades do projeto anarquista dependem fundamentalmente da coerência de sua ética.
Jaime Cuberos (Setembro de 1990)